quarta-feira, julho 18, 2007

Recém

Um dinossauro nasce dentro do copo
duzentas pessoas fritam dentro do avião
lágrimas incineram-se a mil graus
chove garota tempesteia empesteia o ar
um gelo dissolve-se no malte
um coágulo dissolve-se na artéria
luz demais me cega dentro do carro
e eu não tenho mais argumentos
somente imagens cujo sentido ignoro
luzes dos semáforos escorrem no asfalto
e me pergunto onde falto
onde foi que arremeti minha miséria
se onde dei a seiva tenho a fumaça
asfixiando as gargantas dentro do avião
crescendo os pulmões do dinossauro
acalentado pela chuva fria
seu urro de recém-nascido nascituro

sábado, julho 14, 2007

Nevermind Neverland

Faz sol chove venta garoa
e nuvens voam velozes
como nas telas de Turner
sinto fome sono saudade
gente grita em mongrego
hebrárabe aimarusso e até inglês
viro estátua em Kensington
Peter Pan ergue braços pretos
me sopra mind your mind
esquilos me pedem rango
gringos exilados pedem rango
o guitarrista do tube pede rango
e uma banana custa um dólar
no meu país compraria dúzias
uma nova tropicália em Hoxton
os risos dos amigos apagam
as 52 cruzes de King’s Cross
sete do sete uma santidade ímpia
severa como os parques londrinos
há virgens com véus nos cabelos
e putas com véus nos olhos
todas com bundas tristes
hoje almoço uma Guinness
gente grita em tupinésio
teutocoreo italoruba vietinglês
falsofarsi portuñol salvaje
não estou aqui e ainda estou
como em um sonho de outro
em todo canto há placas
informando aonde não ir
em todo canto há câmeras
informando que sou ator
no filme de um ser anônimo
Londres é um parque temático
e avós espiam minha mochila
please dont’ you be very long
please don’t belong
me pede George no iPod
o exílio é só pra quem pode
e é proibido fumar nos pubs
os dias passam velozes
fome saudade libras somem
minha barba cresce atroz
os pés viram cascos de cavalo
viro planta no Hyde Park
viro bomba no Eros de Piccadilly
viro aramaia afrisânscrito mandatim
viro o Thames a cor dos teus olhos
I wish I was at the Big Bang
nevermind the gap diz Peter Pan

sábado, julho 07, 2007

Enquanto uma música de bytes minimalistas cortados por um trompete suicida

O filho acorda de madrugada
E vai dormir na minha cama
Desperta faltando quinze para as sete
Que era a hora em que o alarme estava ativado
O bloco de notas e a caneta caindo no chão fazem um som estranho
Depois me levanto
Banho
Corro pra não ser multado
Dor no peito
Jejum
Ônibus da escola para o acampamento
Ele se despede com os olhos limpos
Talvez tristes
Ou é mera impressão
Corro pra não ser multado
Brigo com a ex ao celular
Brigo com a secretária da escola ao celular
Brigo com o gerente do banco ao celular
Brigo com o personagem da matéria ao celular
Brigo com a vendedora do telemarketing ao celular
Mas nada nem era muito importante
No meio tempo tirei sangue no laboratório
Ressabiado
Então compro o jornal para ler o que eu já sabia
Mais tarde cortar o cabelo às 10h20
A cabeleireira conta que também corta o cabelo da Céu
Acima da cabeça há nuvens pretas
Dentro da cabeça uma canção de Shiva Las Vegas
Como a coruja ama a trave e o bacurau ama o luar
Como esse mundo teme se acabar
Ei-de comê-la
Troca de SMS safadas com Nara
Coisas sobre sua bunda e o jeito como geme
Pelo Setestrelo eu firmo essa intenção
Sob o selo de Salomão
Há de me amar
Penso que estou doente da geometria desses dias falsamente retos
ou descrer em si é só mera superstição a que se apega para tentar a todo custo se sentir salvo
Tomo banho
Astronome Domine
Estou sob o signo do deus Shuffle
Nunca sei que música pode acontecer
Mas no trabalho nenhuma surpresa
Apenas reuniões idiotas e conversas fiadas
A não ser um belo almoço cheio de risos cachaças comida boa
e de ganhar uma gata de uma amiga judia
depois de ter conversado com outra amiga judia
e ter ficado meio apaixonado por uma ruiva que parece judia também
e trabalha na sala ao lado
e uma loura que trabalha na sala acima
e uma morena cujo nome é um segredo ou uma receita
ou mera cacofonia
E agora completamente louco e sentindo-me péssimo e só
ansiando por Nara que chega amanhã
e talvez me salve para alguma humanidade
Como há quem tema ataques de ladrões nas ruas
temo me converter em cyborg de mim mesmo
Afinal ouço vozes que me mandam fazer coisas
e nem sempre elas falam a minha língua
Comunication breakdown
A ruiva intrigante e a loura de olhos brilhantes e a morena matemática somem
Saio do trabalho às 22h
Cansado pensando vagamente em fazer algo ou nada
instalo a gata em sua nova casa
Onde ontem um menino
onde agora dois animais
Resolvo não ir à festa de aniversário do amigo cantor
entedio-me
a gata entedia-se
no copo as pedras entediam-se e se dissolvem
ligo o som
que agora vem com Fellini
eu vejo as ruas e você
o tempo não pára de correr
o espaço comprimido e você
os nossos vizinhos como mar
um vulcão particular
Quase vivo quase morto
em novembro dia nove para o dia dez
as mulheres que nada humildemente amei desfilam por meus olhos
ovelhas negras que me fazem perder o sono
há dezoito anos começava a namorar Geenie
há dez anos começava a namorar Mariana
que depois de quase me fazer perder o primeiro livro
agora é de novo minha amiga
ela diz que o marido é esquizofrênico e ouve vozes e se sente perseguido
ora me conte uma notícia nova
como as doenças são comuns entre os caras que namora
e como o tempo se mistura na minha cabeça
with whisky and grass and cigarettes
and a silent cat in tha house
você é música
Harley Davidsons pilotadas por gerentes de banco cortam o silêncio da noite
Like a hurricane vem
e lembro de Min
ela costumava me chamar assim
in a crowded hazy bar
me lembro de Rosario
com quem havia sonhado esta madrugada
ela docemente matava sua sede em mim no meio da rua
todas tão doce e violentamente mataram sua sede em mim em ruas hoje frias
e ouço Love Street com Jim Morrison
e o shuffle desliga sozinho
O bloco de notas e a caneta no chão fazem um silêncio estranho
Penso em dormir
mas não posso
pois tenho medo
de o dia não ter valido nada
porque o tempo não pára de correr
e às sete da manhã não virá a redenção sempre esperada
e sim um samba de um prego único perfurando uma parede
uma música de bytes minimalistas cortados por um trompete suicida